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Sobre Antonio Miranda
 
 


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

CRIANÇA PARQUE

 

POEGOESPAÇO DE ANTONIO MIRANDA

 

Poema no estilo “concreto” criado por Da Nirham Eros (Antonio Miranda) no Rio de Janeiro, por volta de 1960, montado sobre cartolina com letraset para uma exposição realizada no IVIC – Instituto Venezolano de Investigaciones Científicas, nos arredores de Caracas, Venezuela, em 1967.

 

Baseado na espacialidade em voga no concretismo da primeira fase, da dimensão tipográfica “ ,em quadrícula, criando uma espécie de imagem congelada do “arco” em movimento virtual, cruzando diagonalmente,  numa espécie de “ideograma verbal”.  

 

MOBILIDADE ESPACIAL

 

Por José Fernandes*

 

 

         A composição poética de Antonio Miranda, desde a década de 60, sob o pseudônimo de Da Nirham Eros, imprime movimento ao poema, a fim de extrair dos signos o máximo de sugestões estéticas. Assim, Criança parque, ao explorar o espaço em branco, mediante a colocação das palavras criança e parque nas extremidades  transversas do quadrado, faz com que elas pulem de uma extremidade à outra, numa espécie de moto perpétuo, a fim de materializar a energia de que as crianças dispõem quando se divertem. A imobilidade simbolizada pelo quadrado se desfaz, à medida que ele passa apenas a delimitar o espaço em que criança e parque se movem, uma vez que o círculo, imagem do movimento por excelência, se lhe inscreve, transformando o parque em uma espécie de espaço sagrado, vital à existência de espaço sagrado, vital à existência infante.

         A matéria do movimento evidencia-se ao verificarmos que, no centro, forma-se o eixo, ou cilindro, responsável pela conformação do perpetuum mobile, que se move sobre si mesmo, carregando, em forma de satélite, criança e parque, e, ao mesmo tempo, de forma perpendicular, como se compusesse uma esfera. Esses dois movimentos se substantivam, ao constatarmos que a palavra arco inicia na parte inferior do poema e termina-inicia na superior, em continuum mobile. A imagem do cilindro, além de se configurar pela disposição horizontal do vocábulo arco, visualiza-se pela maioria absoluta de letras arredondadasss, de tal modo que inclusive a letra [r], colocada em movimento, também se arredonda, acompanhando as demais.

         O simbolismo de arco, palavra que perfaz o cilindro ou a linha horizontal, repetida quatro vezes, carrega a ambiguidade do quaternário, própria do quadrado, que se permite dividir em dois triângulos, além dos atributos do círculo, símbolo e signo em movimento. À semelhança do número quatro, porém, todas as letras o reiteram, como a esconder as verdadeiras faces semânticas do poema, que se multiplica, se soma, produzindo resultados singulares. A ligação do simbolismo de arco com um movimento de ida e volta, uma vez que compõe um cilindro, conjuga-se perfeitamente à semia de destino, porquanto o mobile perpetuum se relaciona tanto à vida quanto ao eterno fluir, muito bem simbolizado pela palavra parque, quanto, sobretudo, pelo significado inerente ao mobile.

         A noção de destino, vida sendo e existindo em movimento, materializa-se na primeira parte do vocábulo arco, uma vez que o ar se executa mediante movimento ininterrupto. Tanto que a sua cessação converge para a imobilidade do quadrado que circunda todo do poema. Toda esse interpretação encontra respaldo na simbologia impressa às letras que conformam a palavra arco. A letra [a], por ser a primeira do alfabeto, correlaciona-se com o princípio, como o raio, significado da letra [r] que se projeta sobre as demais em perpétuo movimento. A acepção de destino, de vida sendo e existindo lhe é inerente, como o é a criança. Além disso, a letra [a] em sua conformação hieroglífica, se liga, em hebraico — alfabeto formado diretamente dos hieróglifos — ao verbo ensinar, significado dureto de álefe, que coliga ao estado de ser criança e à concepção de parque, entendida como atividade lúdica e, em decorrência, de aprendizagem, de movimento.

         A letara [r], ao significar início, princípio, confirma a noção inicial da letra [a] e estende a correlação com criança e destino, ao reiterar e corroborar com a semia de movimento e, em consequência, com a semântica de parque, de aprendizagem e, sobretudo, de receptividade. A letra [c], ao carregar o sentido do oco, além de ligar-se à acepção de início e de aprendizagem, confirma nossa interpretação do poema como mobile, à medida que se relaciona diretamente com a matéria e o significado de cilindro e de círculo, tal como se processa no poema, tanto em posição vertical quanto em horizontal.

         A letra [o], além de ratificar a concepção cilíndrica do poema, matéria e essência em movimento, decorrência de sus conformação circular, ao coligar à forma dos olhos em sua configuração hieroglífica, significa, também, fonte, imagem e objeto do vir-a-ser, do destino, do fazer-se através da aprendizagem em perpetuum mobile. Além disso, os simbolismos da letra [o], conforme os expõe  Annick de Souzenelle (1987, p. 143**), conjugam-se à essência da criança, de parque  e do destino, uma vez que Na fonte das profundezas da visão, que se encontra o significado da letra ayin, nome da letra do alfabeto latino, em hebraico. A conjugação entre o olho, forma hieroglífica da letra [o], e a criança se opera mediante o estar no parque, momento em que ela é só olho, só movimento, como o sé a água que jorra de uma fonte. Um movimento que, no poema, se propaga do centro para os lados, uma vez que se opera a partir do cilindro, que assume o papel ativo do ser infante em sua atividade lúdica e na descoberta do mundo, mediante uma apreensão singular, como se ele também exercesse a função de um caleidoscópio, figura que se coaduna com a ação cilíndrica e com a visão deo calder impressa ao texto em toda a sua construtura de círculo dentro do quadrado.

         Nossa referência à mandala não se dá por acaso, porquanto o movimento do cilindro a materializa e faz com que  ela se conjugue à essência do parque na vida da criança, pois, no momento em que ela representa a imagem do mundo da criança. Além disso, como a mandala se liga ao ser em potência, em possibilidade de vir-a-ser, ela se correlaciona diretamente com a noção de destino, inerente ao ser em estado de criança.

         A interação da linguagem com a infinidade de signos e símbolos, como vemos, transforma o texto em um cadinho de significados muito mais intenso, que se o poeta utilizasse apenas a palavra.

 

*Extraído de FERNANDES, José. Poesia e ciberpoesia: Leitura de poemas de Antonio Miranda.    Goiânia, GO: Editora Kelps, 2011.  172 p. ISBN 978-85-400-0216-6

** SOUZENELLE, Annick de.  La lettre cheminn de vie. Paris: Dewrvy-Livres, 1987.

 


 

 

 
 
 
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